30.10.06

A vossa vida é importante para nós

Os factos - O aborto provoca dois danos gravíssimos: a morte do filho; lesões, geralmente muito graves, no corpo e no equilíbrio psíquico da mãe. É nesta dupla perspectiva que tem de ser considerado.
O Direito - A Constituição da República garante o direito à vida (artigo 24.º, n.º 1). É o primeiro direito da pessoa, na própria ordem constitucional. Não pode ser restringido (artigo 18.º, n.º 2), e desenvolve-se na proibição da pena de morte (artigo 24.º, n.º 2). Qualquer lei que permita que se mate outrem - seja por que motivo for, mesmo no caso da autoria dos mais graves crimes - é inconstitucional. Pelo que uma lei que permita que se mate um ser humano no ventre da mãe, seja sob que pretexto for, é inconstitucional.
A integridade moral e física das pessoas é inviolável (artigo 25.º, n.º 1, a não ser que do atentado a essa integridade resulte um bem consideravelmente superior (uma intervenção cirúrgica para curar uma doença grave). Portanto, a mãe não poderá atentar contra si própria, provocando um aborto.
A vida intra-uterina - Tem-se afirmado que o ser humano no ventre da mãe é um ser vivo, mas não um ser humano. Propomos para resolução deste "problema" uma análise assente na realidade. Cada um de nós existe desde o momento da concepção. Se fosse possível recuar no tempo e destruir as duas células no segundo a seguir ao da concepção de um ser humano hoje nascido, a "Maria", não era uma parte do corpo da mãe que seria destruída: seria a "Maria" que deixaria de existir.
O conflito de interesses - O que está em causa é um conflito de interesses entre o ser humano-mãe e o ser humano-filho. Sendo que os "interesses" da mãe se reduzem, no referendo em curso, à sua simples vontade. Pela primeira vez na história de Portugal, se permite que um ser humano seja inteiramente livre para dispor da vida de outro - e livre para dispor de si próprio. É inaceitável. Na base da nossa vida social, do nosso Direito, do Estado de Direito democrático, está o total respeito pelo outro, tão importante como eu, e pela integridade física do próprio. O desrespeito pelo outro traduz o fim do Estado de Direito e do Direito.
O referendo – A vida não se referenda: respeita-se e protege-se. A vida não pode depender do Direito ou da sociedade: está antes deste que só existem para a servir. O mesmo se diga quanto à integridade física e moral da mãe.
O Direito está constituído para defender os mais fracos: os mais pobres, os mais dependentes, os mais novos, os perturbados psiquicamente, etc. Colocá-lo ao serviço dos mais fortes (os adultos) contra os mais fracos (as crianças) é negar o Direito. Como é destruir o Direito permitir que alguém (a mãe) cause a si própria um dano.
Neste referendo, os principais interessados - os que vão perder a vida - não podem ser ouvidos.
Receio que, em breve, os que sobreviverem, vão referendar o direito a viver dos que serão mantidos pelos impostos pagos por eles: os velhos, os doentes, os "inúteis" - os pais e as mães de hoje.
A vida de qualquer ser humano tem sempre o mesmo valor e é igualmente digna de ser vivida.


DIOGO LEITE DE CAMPOS
Doutor em Direito
Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Administrador do Banco de Portugal

MÓNICA HORTA NEVES LEITE DE CAMPOS
Advogada

in, Vida e Direito. Reflexões Sobre Um Referendo. Cascais: Principia, 1998, pp. 50-51

No comments: