30.10.06

Em defesa da vida

O Direito à Vida deve ser entendido como o mais primário dos direitos), na medida em que é condição essencial da existência de todos os outros denominados direitos fundamentais: o direito à habitação, o direito ao trabalho, o direito à educação ou o direito à segurança social.
Sem vida humana nenhuma liberdade, nenhum direito mesmo fundamental, fazem qualquer sentido.
O Direito à Vida é a consagração do mais basilar princípio da nossa cultura, da nossa sociedade - a Dignidade da Pessoa Humana.
O Direito à Vida é o direito de não ser morto. O direito a não ser morto em nenhuma fase da vida. Em nenhuma circunstância.
O Direito à Vida não se restringe apenas à mera protecção da vida de entes dotados de personalidade jurídica, é muito mais do que isso, abrange, e tem que abranger forçosamente, sob pena de impossibilidade de existência desta mesma personalidade, o direito à vida pré-natal.
É portanto, uma incoerência, a liberalização do aborto!
A Vida Humana é inviolável e indisponível. A mulher tem direito ao seu corpo, mas não tem, certamente, qualquer direito sobre o corpo do feto. Este novo ser tem, desde o momento da concepção, uma individualidade própria. À mulher, assiste antes, uma especial obrigação de guarda e protecção daquele novo ser humano.
Quais serão então os argumentos sérios esgrimidos em defesa da liberalização do aborto, até determinada altura?
Qual o critério escolhido para admitir a realização do aborto livre nas primeiras dez semanas?
Qual a alteração significativa que ocorre no feto entre a 10.ª e a 11.ª semana que justifique a sua liberalização?
No primeiro mês de gravidez (entre a 3.ª e a 4.ª semanas) o feto mede aproximadamente 4 mm, o seu coração já começou a bater, o estômago, o fígado, o pâncreas, os pulmões, os brônquios e o aparelho urinário já estão esboçados.
A incoerência aumenta ainda mais quando, em Portugal, os embriões fertilizados “in vitro” têm, até eles, protecção legal.
Admitir a liberalização do aborto, invocando como até agora tem sido feito, a liberdade da mulher, que curiosamente teve direito a nascer, de decidir sobre a vida de outro ser humano, é no mínimo a negação - num duplo sentido - do fundamental princípio da igualdade:
- Entre a vida da mãe e a vida do filho;
- Entre o direito da mãe e o mesmo direito do pai.
Admitir a liberalização do aborto, invocando, como até agora tem sido feito, motivos de ordem sócio-económica como a miséria é assumir que o Estado se demite da sua mais elementar função - a Promoção e Protecção da Dignidade da Pessoa Humana.
O Estado, ao não ter resposta para resolver o problema da mulher que quer abortar porque não tem situação económica que lhe permita ter aquele filho está a admitir a sua incapacidade para dar resposta a um problema da sociedade que tem obrigação de resolver.
Permitir ao Estado que se demita desta sua obrigação, é admitir a desvalorização da Dignidade da Pessoa Humana. É admitir ao Estado que, em vez de conduzir o seu esforço no sentido de criar as condições educativas, sociais e económicas, por forma a tentar resolver o problema, se desresponsabilize das suas obrigações e opte pela solução mais fácil, mais comodista e mais cobarde, permitindo a eliminação dos seres humanos mais débeis, mais dependentes e por isso totalmente indefesos.
Permitir ao Estado este tipo de conduta fácil é abrir a janela, se não mesmo a porta, para que todo o tipo de violação da Dignidade da Pessoa Humana seja no futuro permitido, em nome da falta de meios, em nome da vontade, ou da liberdade, dos mais fortes - aqueles que já nasceram porque tiveram a sorte de a mãe os querer, de a mãe ter os meios para prover ao seu sustento.
Quando o Estado e a sociedade admitem legalizar estas condutas, não estamos em presença de uma sociedade que dignamente possa intitular e eleger como princípio constitucionalmente consagrado o respeito pela Dignidade da Pessoa Humana.
Como católica, entendo que a Vida é um Dom que só Deus pode dar e também só Deus deve tirar.
Como cidadã, entendo que a Defesa e a Promoção da Vida só é possível se a Dignidade da Pessoa Humana for devidamente defendida, respeitada e salvaguardada desde o seu início - desde a fecundação.
Como católica e como cidadã, entendo pois que a actual lei vai até ao máximo do que é moralmente permitido ao admitir que, em casos limite devidamente analisados e ponderados, seja excluída a ilicitude do aborto.


ANA BÍVAR
Assistente da Universidade Autónoma de Lisboa

in, Vida e Direito. Reflexões Sobre Um Referendo. Cascais: Principia, 1998, pp. 16-17

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